sábado, 26 de julho de 2014

Cursos de Interpretação - Cuidados na Hora de Escolher Um


Há quem prefira estudar por conta própria e mergulhar em livros em busca de aprendizado, mas a grande maioria das pessoas prefere ter uma referência profissional mais próxima e sai em busca de cursos na procura pela formação acadêmica que julga ideal.

É preciso tomar muito cuidado ao escolher um curso para iniciar, ou se aperfeiçoar, na carreira de ator. No mercado de atuação existe uma grande oferta, principalmente nas principais capitais do Brasil, e, infelizmente, a quantidade de picaretas é proporcional.

A escolha da profissão de ator pode ser tomada com emoção (e até com um certo impulso), mas você deve ser racional na hora de definir os primeiros passos. Planejar a sua carreira desde os momentos iniciais é fundamental para evitar frustrações e surpresas no caminho.

Você tem certeza que quer ser ator?

Os cursos mais comuns na área de preparação de atores estão dividos em Cursos Regulares e Cursos Livres. Ao escolher, por exemplo, um Curso Superior de Artes Cênicas verifique:

  • Se o Curso e a Instituição de Ensino são reconhecido pelo MEC;
  • Se o Curso é reconhecido pelo SATED (Sindicato dos Artistas) da sua região;
  • Se as matérias estão de acordo com as suas expectativas. Veja a grade curricular;
  • Se os professores já estão no mercado e há quanto tempo. Procure sobre eles na Internet;
  • Se a Escola possui boa infra-estrutura (salas de ensaios, de apresentações, alimentação e hospedagem próximas, etc).

Em relação aos Cursos Livres, dividiremos de duas maneiras: os que são realizados em Escolas para Atores e os que são produzidos por produtores independentes. Para a escolha de um Curso Livre numa Escola para Atores, fique bem atento às dicas. Verifique:
  • Se o curso é reconhecido pelo SATED (Sindicato dos Artistas) da sua região. Caso a escola prometa o DRT (registro profissional), confirme essa informação com o SATED;
  • Se o Programa do Curso está de acordo com as suas expectativas;
  • Se os professores já estão no mercado e há quanto tempo. Procure sobre eles na Internet;
  • Se o tal diretor famoso que você está doido para ser dirigido vai ministrar todas as aulas;
  • Se a turma não tem muitos alunos (mais de 30 pode dificultar a atenção dada a cada aluno);
  • Se não são cobradas taxas extras além do combinado inicialmente;
  • Se no final do curso eles entregarão algum tipo de material (em alguns casos são entregues vídeos com as cenas gravadas em aula) e se não vão cobrar a mais por isso.

Produtor independente é aquele que contrata o profissional (geralmente um diretor, produtor ou preparador de elenco) que vai dar as aulas e o local, sem a chancela de uma Escola tradicional. Nestes casos, os cuidados a tomar devem ser maiores. Porém, antes de qualquer coisa, é bom que se saiba que os picaretas estão por toda a parte e em qualquer seguimento. Por exemplo: temos parceiros super profissionais que trabalham de maneira independente (não são escolas) e seus alunos não tem o que se queixar. Sempre buscam profissionais de alto nível em seus workshops e são pessoas sérias. Aliás, um deles é o Spartus Alves, da SA Filmes, que atualmente está produzindo um workcine com a produtora de elenco mais cobiçada do momento, Fátima Toledo.

Fiquem bem atentos, pois já recebemos denúncias de produtores que não são profissionais e que desrespeitam alunos com turmas muito cheias, em locais inapropriados, que prometem Registro Profissional e que, muitas vezes, nem aparecem para dar aulas.

Como, na maioria dos casos, não há uma empresa legal por trás da negociação, pode ser mais difícil tentar reaver um dinheiro investido dessa forma (contratando um produtor independente).

Seguir as dicas deste post podem ajudar, mas é essencial que você busque informações sobre cada curso que você tiver interesse, livre ou regular, na Internet e entre os amigos.

Você tem alguma dica para acrescentarmos aqui? Mande pelos comentários.

Curtiu o post? Compartilhe entre os amigos!

Fonte: http://www.testedeelenco.com.br/blog/dicas-para-atores/4275-cuidado-na-hora-de-escolher-um-curso

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Técnicas para Atores/Atrizes - Como Decorar Textos

Uma das principais dificuldades enfrentadas por estudantes de teatro e atores que estão iniciando na carreira é saber como decorar textos! Muitas pessoas nos perguntam se existem técnicas que facilitem este processo tão “chato” (segundo dizem). Não existe nenhuma fórmula mágica, mas vamos apresentar para vocês dicas que podem ajudar e muito! Vale lembrar que essas sugestões podem funcionar muito bem com algumas pessoas e nem tanto com outras. O ator Antonio Fagundes, por exemplo, segundo o próprio, só precisa de 5 minutos para decorar seus textos na novela. Segundo ele, é um dom. Tá com inveja? Vamos lá!

Observação 1: Procure se concentrar ao máximo na leitura do seu texto para melhor assimilação. Evite locais barulhentos, com circulação de pessoas ou com qualquer coisa que possa atrair sua atenção.

Observação 2: Antes de qualquer dica, é importantíssimo que você leia e releia várias vezes seu texto, entenda todo o contexto da história/estória, analise sua personagem e só depois de um estudo completo, comece a decorar suas cenas.

Leia e releia o texto

Para algumas pessoas, basta ler e reler suas cenas algumas vezes e ir assimilando aos poucos. Outras só conseguem se concentrar na decoreba se o texto for lido em voz alta. Qualquer recurso é válido e esse pode ser apenas o ponto de partida para as próximas opções.
Reescreva o texto

Tem gente que só consegue decorar seus textos reescrevendo inúmeras vezes suas cenas. Também é uma forma comum, mas não funciona com todo mundo e pode ser ainda mais demorado se comparado a outros métodos.

Grave seu texto

Tática bem comum e funcional, consiste na gravação em voz dos textos em algum dispositivo como: celulares, iPods, mp3 players ou mini-gravadores. Grave suas cenas e escute, escute, escute várias vezes. No carro, no ônibus, no trem, na academia, caminhando... Você vai perceber que aos poucos vai começar a falar seu texto junto com a gravação e logo logo estará com o texto todo decorado.

Uma dica legal: procure dividir seu texto em faixas de áudio separadas. Assim você pode ficar voltando em cada trecho ainda não decorado, sem a necessidade de voltar demais a cena.
Utilize palavras-chave

Separar os textos em trechos e ir selecionando algumas palavras-chave pode facilitar o processo. Para cada trecho, selecione uma palavra-chave, leia e releia dando enfase à palavra selecionada. Leia e releia somente as palavras-chave inúmeras vezes.

Palavras-chave + Memória fotográfica

A técnica anterior associada a imagens pode ser bem interessante também. Utilize sua imaginação ou faça pequenos desenhos (ou ainda cole recortes de jornal ou revista que estejam associados) para cada palavra-chave em questão. A sua memória fotográfica pode ser mais um recurso nesse processo.

Bata o texto com outro ator

Depois que você já estiver com praticamente tudo decorado, é bem importante que você “bata” (passe) o texto com outra pessoa. Isso é fundamental para perceber se o texto já está bem decorado e, principalmente, como estão o ritmo, as pausas e a interpretação do que está sendo dito.

Capitalize as palavras

Um recurso bem interessante, mas que funciona melhor com textos mais curtos, é o de capitalizar palavras. Ou seja, escrever com todas as letras iniciais maiúsculas.

Vamos a um exemplo prático! O trecho a seguir foi extraído da peça “A Farsa do Advogado Pathelin” (Autor desconhecido).

Pathelin – Isso não vem ao caso. O que precisamos é achar algum modo de ganhar dinheiro. Veja em que estado estão o seu vestido e a minha roupa. Até parece que estamos vestidos de gaze, como anjos de procissão.

Utilizando o método de capitalização das palavras, você poderia dividir o texto da seguinte maneira:

Isso Não Vem Ao Caso.
O Que Precisamos É Achar Algum Modo De Ganhar Dinheiro.
Veja Em Que Estado Estão O Seu Vestido E A Minha Roupa.
AParece Que Estamos Vestidos De Gaze, Como Anjos De Procissão.

Destaque as letras iniciais e procure memorizá-las:

Ixxx Nxx Vxx Ax Cxxx
O Qxx Pxxxxxxxxxx É Axxxx Axxxx Mxxx Dx Gxxxxx Dxxxxxx
Vxxx Ex Qxx Exxxxx Exxxx O Sxx Vxxxxx E A Mxxxx Rxxxx
Axx Pxxxxx Qxx Exxxxxx Vxxxxxxx Dx Gxxx, Cxxx Axxxx Dx Pxxxxxxx

E aí, funcionou? Qual método você gostou mais? Você utiliza algum outro método? Conte pra gente! Sua participação é fundamental.

Fonte: testedeelenco.com

terça-feira, 15 de julho de 2014

Memória Emotiva e Memória Sensorial


O que é memória, sensação, esquecer e lembrar? Onde registramos os mundos de sentimentos que temos todos os dias? É realmente no cérebro ou em outro lugar? Qual a real diferença entre lembrar e esquecer? O que sentimos ao ver uma antiga fotografia? Matemática, Química, Física, onde que você gravou todas aquelas informações? Para onde tudo aquilo foi? Momentos felizes com os amigos, os beijos e amores, até as dores por que passamos, onde guardamos tudo isto?

Por que era tão difícil de decorar e fazer entrar na cabeça todas aquelas fórmulas e equações? Por que é tão difícil esquecer aquela pessoa que ronda nossa cabeça? Onde está cada coisa?

Somos ensinados a pensar com a cabeça, treinados a usá-la e aperfeiçoa-la, tudo o que fazemos é relacionado a mente, mas por que na hora de lembrar de nomes difíceis, formulas de química e até regras literárias tudo parece ser mais difícil do que se lembrar daqueles momentos bons com os amigos, as piadas contadas e os beijos?

A resposta é clara, o que aprendemos com o coração, fica gravado para sempre, o que se aprende com o cérebro, fica por um tempo, mas logo sai. O coração também ajuda a lembrar, ou melhor, ele não esquece, não esquece dos nomes dos primeiros amigos, do primeiro beijo, das boas risadas. Talvez isto explicasse porque algumas pessoas são boas em matemática, porque elas gravaram tudo aquilo no coração e não na cabeça.

Quem tem boa memória pode lembrar as tarefas e das coisas sem se preocupar de ficar anotando, mas quem tem coração é tão difícil de esquecer aquela pessoa, não é questão de lembrar, a imagem dela não sai da cabeça porque o coração está pensando nela.

Onde você grava seus momentos? Na cabeça ou no coração? Já perceberam que o que o coração registra é na verdade os momentos em que realmente vivemos ou morremos em nossas vidas? Que tipos de memórias você leva consigo, são mentais ou emocionais?

O que aconteceria se todos os professores ensinassem as coisas com o coração e não só com a cabeça? Teríamos um mundo inteligente ou mais sentimental? Nós teríamos um mundo?

MEMÓRIA EMOTIVA NAS ARTES CÊNICAS
"Você acaso espera que um ator invente toda sorte de sensações novas ou até mesmo uma alma nova para cada papel que interpreta? Quantas almas teria de abrigar? Por outro lado, pode ele acaso arrancar fora sua própria alma e substituí-la por outra, alugada, por julgá-la mais adequada a determinado papel? Onde é que irá buscá-la? Podemos tomar de empréstimo roupas, um relógio, todas espécie de coisas, mas é impossível tomar de outra pessoa sentimentos. Os meus sentimentos são meus, inalienavelmente, e os seus lhe pertencem da mesma forma. É possível compreender um papel, simpatizar com a pessoa retratada e pôr-se no lugar dela, de modo a agir como essa pessoa agiria. Isso despertará no ator sentimentos análogos aos que o papel requer. Mas esses sentimentos pertencerão não à pessoa criada pelo autor da peça, mas ao próprio ator." (A preparação do ator, Constantin Stanislavski)

Eu sempre achei que não sabia usar minha Memória Emotiva em cena, até me dar conta da amplitude desta expressão criada por Stanislavski.

Quando preciso preparar uma cena tento relacionar a vida do personagem com a minha, buscando alguma semelhança no comportamento, ou em uma situação análoga que eu possa ter vivido. Portanto, recorro à minha memória quando estou em processo de estudo da cena, porém quando interpreto não penso em nada que não tenha a ver com a minha personagem.

Eu achava que não usava a memória emotiva, pois enquanto faço a cena não penso em algo que aconteceu na minha vida particular, inclusive isso me desconcentra, eu simplesmente deixo a cena fluir... Mas a memória emotiva está ligada à memória sensorial, uma instiga a outra e muitas vezes um olhar de desprezo, um beijo, um tapa na cara, um abraço, pode despertar a memória das emoções. 

Em cena, esses momentos passam despercebidos, e as suas lembranças e sentimentos podem fundir com as do personagem em fração de segundos, e dissipar na ação seguinte do personagem. 

Sentimentos e sensações surgem verdadeiramente em cena, significa que os estímulos em cena atuam não só sobre a personagem, mas antes sobre o ator. Ou seja, a Memória emotiva está em ação!

Acredito que enquanto atuamos, não podemos ser completamente técnicos ou totalmente tomados por fortes emoções. Mas será que nos momentos que somos técnicos estamos estimulando a memória das emoções/sensações e as usando em cena?

Quando usamos uma técnica de respiração para chegar a uma sensação ou emoção, por exemplo, estamos acessando intuitivamente a nossa memória das emoções/ sensações? O que fazer se durante uma cena vier à tona uma emoção equivocada que nos faz perder o controle das ações da personagem?

Ainda acho muito difícil ter o controle desta técnica, mas aos poucos descobrimos mais sobre nós mesmos e nossas emoções.

"Em 2006, na apresentação da peça 'Para quem não usa Ritalina', de Tom Dupin, eu interpretava a Soraia, uma garota sonhadora que era estuprada pelo seu patrão no final da peça. O estupro não acontecia, a cena se congelava no momento que o patrão de Soraia ia para cima dela e o foco continuava por aproximadamente 10 minutos em outra cena que acontecia no proscênio.

Ensaiei a peça durante 4 meses e aquela cena nunca me causou nenhum tipo de incômodo. Eis que no dia da estreia, durante a cena, eu começo a chorar compulsivamente. Consegui chorar sem fazer barulho. Sabe aquele choro que você abre a boca e quase perde o ar? Meu parceiro de cena, querido amigo Edson Gon, me dizia baixinho: fica calma, fica calma. Eu chorei até o final da peça.

Se eu te dissesse que me lembrei de alguma tristeza profunda da minha história de vida estaria mentindo. Eu não pensei em nada. Eu não me lembrei de nada. Acredito que a tensão da minha personagem continuou crescendo ao invés de congelar junto com a cena e foi estimulada pela sensação de sufoco e aprisionamento, pois a personagem do Gon estava em cima de mim. Aquela sensação se tornou uma emoção muito forte e ao mesmo tempo uma repulsa, mas não da atriz Carolina, e sim da personagem Soraia." (Carolina Cardinale - Atriz)

Houve uma outra vez que gravei um monólogo e um professor me aconselhou fazer uma substituição de circunstâncias. O monólogo era uma declaração de amor para um amigo, e tinha um trecho que a personagem dizia o seguinte: "Eu queria que você soubesse que mesmo que isso não dê em nada, já valeu. Já valeu a pena por tudo que eu experimentei assim, sozinho... Na solidão dos meus pensamentos, dos meus desejos". A ideia era fazer a declaração, mas com estímulos diferentes. Eu diria este texto pensando que o assunto era o meu amor não pelo meu amigo, mas sim pela arte, pela minha carreira. Eu faria o monólogo pensando o quanto era importante para mim estar ali e pensando na minha luta diária para conquistar o meu espaço. O resultado foi muito positivo. Quando eu chegava no trecho do texto que transcrevi há pouco, era a parte que eu mais me emocionava. 

Este professor foi muito sensível ao perceber que isso seria algo que me emocionaria e ao mesmo tempo despertaria um sentimento similar ao que a cena pedia.

Ainda tenho diversas dúvidas sobre a prática de Memória Emotiva e Memória Sensorial, mas com as pesquisas, auto-análise e observação tudo começa a clarear e fazer sentido.

Ah! Acho importante ressaltar que reli o capítulo sobre Memória das Emoções do livro "A preparação do ator", de Stanislavski. Havia lido há 9 anos atrás e garanto que hoje em dia tudo faz muito mais sentido para mim. 

Em paralelo li o livro do Renato Ferracini "A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator" e o livro de Uta Hagen "Técnica para o ator. A arte da interpretação ética", ambos falam sobre Memória das emoções e Memórias das sensações. Recomendo ambas as leituras!

Se quiser fazer algum comentário, relatar alguma experiência profissional ou pessoal ou então partilhar informações, fique à vontade.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A Arte de Soltar a Voz - Exercícios Práticos para Atores/Atrizes

RESPIRAR É FUNDAMENTAL
Respirar de forma correta é fundamental para o bom uso da voz. A respiração abdominal e intercostal são as melhores amigas dos cantores. Elas dão o apoio muscular que o aparelho respiratório precisa para garantir o melhor som possível e a melhor passagem de ar. Ao inspirar, abrimos as costelas e estufamos um pouco a barriga para fora, e, ao expirar, soltamos o ar e tentamos manter as costelas abertas, mas murchando a barriga para dentro, à medida que o ar sai. Esse é um dos exercícios de respiração mais eficazes. Porém, o ar e sua utilização é a parte mais complexa do canto e é necessário tempo para entender a coluna de ar usada para cantar.

VOZES IDENTIFICADAS
A identificação de uma voz é feita mediante a avaliação perceptiva de três categorias de parâmetros:
• Qualidade vocal - é a percepção que se tem das características qualitativas de uma voz específica
• Emissão vocal - é a percepção que se tem de como um som vocal está sendo produzido
• Expressão vocal - é a percepção que se tem de como a pessoa acrescenta subjetividade ao que é dito

DISFONIAS
As disfonias mais comuns são chamadas de fendas, fendas em ampulheta, irritação nas pregas por conta de refluxo, nódulos e cistos. Apesar dos nomes esquisitos, todas essas disfonias são curáveis, desde que com tratamento adequado (daí a importância de saber qual é o profissional com quem se trabalha pois, caso ele não saiba determinar o tipo de tratamento, pode gerar patologias mais sérias e mais difíceis de serem tratadas). Quem lida com voz tem que aprender sobre o tratamento de disfonias para não cometer erros e acabar destruindo uma voz por imperícia ou falta de conhecimento. Em casos de artistas com disfonia, o tratamento deve ser feito em conjunto com o fonoaudiólogo e com o preparador vocal para que o procedimento seja coeso e tenha sucesso.

Técnicas específicas
Óperas, musicais e peças de teatro. Quando a voz está bem cuidada, bem treinada e bem trabalhada, o dono da voz está no ponto para fazer bonito em qualquer uma destas áreas, certo? Errado. Pelo menos é o que garante Ester Elias, formada em Técnica de Canto Lírico e Popular pela Escola de Música de Brasília e em Fonoaudiologia, pela Universidade Estácio de Sá. Segundo Ester, o trabalho, além de diferenciado para quem atua em óperas, musicais ou peças teatrais, utiliza técnicas específicas, que exigem muito de cada profissional.


"O trabalho do cantor lírico ou da cantora exige mais do trato vocal. Pede mais técnica. A voz é predominante. No musical, tem que haver equilíbrio entre o lado cantor e ator. Ou seja, é preciso que o profissional seja bom cantor e bom ator. No teatro, o uso da voz é somente para a fala e isso requer muito cuidado e uma técnica específica para a voz falada", observa.

Ester recomenda alguns exercícios de respiração para facilitar o uso correto da voz, apesar de serem, ressalta, simples de entender como funcionam, mas complexos na hora de realizá-los. "Basicamente usa-se abdome, diafragma e músculos intercostais para se obter uma respiração básica. Mas é preciso participar de uma aula ou uma terapia vocal para melhor entender e praticar tais exercícios", diz.

São nestas aulas, segundo Ester, que todas as vozes podem ser melhor estudadas e trabalhadas. No mundo das artes há espaço para todas as vozes. "A que não tem como ser trabalhada é aquela que não é naturalmente afinada. Pode estar ligada a alguma resposta auditiva, ou seja, não compreende a nota que ouve e por isso não consegue reproduzir corretamente. Mas isso é especificamente para o canto", revela, acrescentando haver tratamento para solucionar quaisquer problemas vocais.

Para Ester, é possível, inclusive, se chegar à voz perfeita nas artes, o que, garante, não livra o dono da voz de estudo, aperfeiçoamento e orientação profissional. "A voz perfeita é aquela que já nasceu equilibrada em harmônicos e timbres agradáveis de serem ouvidos, mas a orientação de fonoaudiólogos e professores de canto, que tenham bom conhecimento de fisiologia e anatomia da voz, é fundamental", frisa Ester, que considera vozes perfeitas as do cantor Leonardo Neiva e da cantora Julie Andrews.

Quanto aos cuidados para se ter uma voz sempre bonita e saudável, Ester recomenda não fumar e beber, pelo menos, dois litros de água por dia. "A água mantém faringe e cordas vocais hidratadas", avisa. "Não falar fora de sua tecitura ou potência vocal, o que resulta num abuso vocal, também é importante", acrescenta Ester, que recomenda, ainda, comer maçã, "por se tratar de um bom adstringente, que limpa a voz e evita o famoso pigarro". 

Já as famosas disfonias, segundo Ester, precisam ser tratadas antes de terem início aulas de canto. "Praticamente toda disfonia pode ser curada. Dependendo do seu grau, deve ser tratada só na terapia de voz, mas, às vezes, chega a ser necessária cirurgia. As mais comuns são por abuso vocal, alergias e até por questões emocionais", alerta Ester, que coleciona participações em importantes musicais como Os Miseráveis, Ópera do Malandro e A Noviça Rebelde, entre outros.

Ficou afônico, mas ganhou experiência
"Quando, por algum motivo, fico rouco ou afônico, sinto-me completamente aleijado". Pode parecer dramático, mas é assim que o cantor de ópera Murilo Neves, 31 anos, se vê quando seu instrumento de trabalho apresenta alguma avaria. "Fico assim porque é através da voz que eu transmito a minha arte", resume Murilo, que, em nove anos de carreira obteve sucesso e premiações, mas colecionou alguns contratempos, como quando, na véspera de uma apresentação, perdeu a voz.

"Fui a um otorrinolaringologista e ele me prescreveu, caso eu não melhorasse a tempo, injeção de cortisona. Acabei tomando-a e, de fato, minha voz voltou. Cantei a primeira parte do espetáculo com segurança, mas, no meio da noite, a voz acabou completamente. Como tinha que prosseguir no palco, acabei falando tudo, em vez de cantar. Aprendi que a gente tem que saber a hora de cancelar uma apresentação", revela Murilo.

O episódio, porém, mais do que fazê-lo ter o timing para cancelar uma apresentação, rendeu-lhe outros ensinamentos em relação aos cuidados com a voz. "É fundamental para o cantor de ópera o estudo constante e o treinamento diário. O cantor de ópera é como um atleta da voz. Se algum músculo perde o treino, a voz se ressente muito", diz o cantor, que faz aulas de canto diariamente e procura estar sempre agasalhado, além de não beber nada muito gelado ou muito quente.

"Mas sem paranoias, pois tenho que dominar minha voz. Acho péssimo me sentir dominado por ela. Observo que meus colegas mais paranóicos normalmente são os primeiros a ficar doentes. Há que se ter cuidados, mas sem histeria. Quem não tem resistência não pode cantar ópera", avalia Murilo, que estuda canto desde os 17 anos e já teve vários professores no Brasil - inclusive uma russa - e na Itália. "Vejo estudantes e professores se contentando com uma aula por semana, às vezes até menos. Isso não basta, não é suficiente. Ninguém aprende a cantar com uma aula por semana. Não largo a minha professora de jeito nenhum", revela Murilo, cuja estreia profissional aconteceu em 2000, na "Ópera dos Três Vinténs". 

Desde então, o cantor já se apresentou por todo o Brasil e pôde não só mostrar o seu talento, mas detectar as deficiências de sua área no País. "Nós, brasileiros, temos um idioma que não favorece em nada a emissão para o canto lírico. Sentimos muito mais dificuldade em projetar a voz. A musicalidade e a sensibilidade são essenciais, mas observo que o que falta nos estudantes de canto brasileiros é a técnica mesmo. Existe muita confusão nesse quesito. Existe muito diletantismo. Vejo todos os dias professores inventando coisas, querendo descobrir a pólvora, confundindo muito mais a cabeça dos alunos do que esclarecendo", observa Murilo, que deixa um recado para quem deseja seguir a sua carreira: muito estudo.

"Infelizmente, não se pode comparar a segurança e o apuro técnico dos cantores líricos das décadas de 1950 e 1960 com os de hoje em dia. Numa era em que, mesmo no teatro falado, vemos peças encenadas em salas de 200, 300 lugares, por atores usando microfone, parece muito distante da realidade lutar no gogó com uma orquestra sinfônica completa", acrescenta Murilo, que acabou de voltar do Festival Amazonas de Ópera, onde cantou em três óperas e um recital de música de câmara - também faz trabalhos no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e participa regularmente do projeto Ópera no Bolso, da Prefeitura do Rio, onde cantou as óperas "La Cenerentola", "Les Pécheurs de Perles", "Don Pasquale" e "L´Italiana in Londra". Também já se apresentou em São Paulo, em Florianópolis, em Curitiba e em Blumenau.

O talento de Murilo é reconhecido pela professora de canto Amélia Gumes. Segundo ela, o trabalho de quem faz ópera é mais árduo, muscularmente e musicalmente, que todos os outros e exige muito mais tempo de estudo e dedicação. "Hoje em dia já se cobra muito mais a parte ator desses cantores do que antigamente, mas, ainda assim, o grande atrativo são os virtuosismos vocais que se ouve nessas obras. O trabalho em musical é muito direcionado e a música está mais ligada ao que o texto pede. Então todo o trabalho é em cima do ator e se usa a técnica para resolver alguns problemas que só o texto não corrige. 

Atores tradicionais de teatro puro trabalham a voz falada relacionada ao seu personagem e esse trabalho vem desde a pesquisa do personagem. O que diferencia um do outro é o ponto de partida em que a voz se torna importante e define todo o resto. Simplificando, é como se na ópera se definisse a voz primeiro, nos musicais as músicas definem a voz falada do personagem e no teatro o personagem define a sua própria voz", compara Amélia.

A voz de um expert
Um expert da voz. Assim pode ser definido o carioca Felipe Grinann, 35 anos, dublador, mas que já fez de tudo um pouco sobre o tema. Ator profissional desde 1995 - trabalhou na área teatral com Gabriel Vilela, Paulo de Moraes (Armazém Companhia de Teatro) e Cininha de Paula, entre outros diretores consagrados - e ex-backing vocal, durante dois anos, do cantor Milton Nascimento (no espetáculo Tambores de Minas), Felipe possui vasta experiência, também, na área de locução e dublagem. Ou seja, um currículo que o credencia a falar (aliás, gesto que ele faz até quase à exaustão diariamente) sobre a importância do uso da voz.

"Sou apaixonado pelo que o ser humano é capaz de fazer através da voz. Eu li que muitos monges tibetanos desenvolveram uma técnica para o canto, na qual numeroso grupo emite uma única nota, mas o que se ouve são muitas outras notas. É como se eles entrassem em sintonia com o som do Universo. Isso é fascinante!", diz Felipe, que gosta de exercitar as possibilidades da voz ao máximo, sempre disposto a achar um registro diferente, uma nova forma de falar os textos. "Assim como existem médicos que só cuidam do coração, escolhi me dedicar com mais profundidade à arte do ‘ator-vocal'. A minha maior satisfação é quando ouço alguém dizer: ‘Nossa, nem parece você!'", revela.

Tamanha dedicação levou Felipe a trocar, em 2008, o Rio de Janeiro por São Paulo, onde trabalha como dublador e locutor nas principais empresas paulistanas, além de professor de dublagem da Dubrasil, rotina que o obriga a estar sempre atento e cuidadoso com seu instrumento de trabalho. "Tomo muitos cuidados com a minha voz. Como preciso utilizá-la de uma forma sobre-humana, preciso estar com ela sempre descansada e pronta. Por isso evito tomar gelado, pegar chuva, dormir sem camisa... Tento dormir, no mínimo, sete horas por noite, jamais falo alto em boates ou lugares barulhentos, evito gritar, não fumo, bebo muito pouco álcool e muita água", enumera.

Uma mudança de hábito, porém, em prol da voz, o deixou um pouco triste. "Sempre li que a lactose costuma deixar uma espécie de muco nas cordas vocais e comecei a perceber que, coincidentemente, depois de ingerir os lactos, eu ficava pigarreando muito. Então cortei da minha vida o leite, os queijos e o iogurte. No começo, foi bem sacrificante, pois eu era viciado em comer queijo, mas substituí tudo por soja (que eu também gosto bastante) há quase um ano e a diferença tem sido grande. Hoje, sinto minha voz muito menos suscetível a intempéries, como mudança de clima, resfriados, gripes e alergias. Sinto-me, vocalmente, muito mais resistente", diz Felipe, que participa, desde 2001, de várias campanhas importantes em âmbito nacional (Jornal O Globo, Natura, Sprite, Renault, Embratel, Claro, Becel, Canal Futura, Sony Ericson - durante três anos, foi um dos locutores dos canais da Rede Telecine, através dos programas Cineview e Movie Box).

Dono de um vozeirão - apesar do 1,65 metro de altura - Felipe já deu voz, em português, às falas de Jude Law, Matt Dillon, Tom Cruise e Ewan MacGregor em filmes famosos como Moulin Rouge, Hulk, Madagascar, Tubarão e A Dama e o Vagabundo, mas não consegue escapar de uma situação, no mínimo, inusitada na vida real. "Minha voz é média-grave e condizente com a minha idade (35 anos), mas como eu tenho 1, 65 de altura e cara de 25 anos, toda vez que alguém me ouve em um filme ou apenas conversa comigo por telefone imagina que o dono da voz é um homenzarrão de 1,80, no mínimo! Quando finalmente me encontram, às vezes, nem conseguem esconder a carinha de decepção", brinca Felipe, que, como dublador, trabalhou durante 12 anos em todas as empresas do ramo, no Rio de Janeiro, e como professor de dublagem na Casa e Companhia de Artes Avancini, além de diretor de dublagem na Double Sound.

EXERCÍCIOS

Durante a locução a respiração deve ser feita da seguinte forma: 

Encha os pulmões de ar, de preferência pelo nariz, principalmente em ambientes abertos ou frios. Faça-o estendendo o diafragma para baixo, de modo que sua barriga pareça encher-se de ar.

Você notará que a parte superior dos seus pulmões, também se inflará. Mas de forma correta, ou seja: somente no final de sua inspiração. Isto quer dizer, que você conseguiu inflar todo o seu pulmão.

É claro que você não vai fazer nenhum mergulho em profundidade. Entretanto, é necessário que as pessoas que trabalham com a voz, dominem esta técnica. Dosando a quantidade de ar a ser inspirado, de acordo com a frase a ser lida ou cantada.

Toda a produção do som e todas as técnicas da fala estão baseadas na respiração, que influi na dicção , volume da voz e resistência do locutor.

Vamos praticar com um pequeno texto.

Durante sua leitura, você encontrará, frases ou períodos mais longos, que deverão ser lidos de uma só vez, ou seja: num só fôlego. Para isso você terá que controlar melhor sua respiração. A primeira coisa a fazer é estudar o texto, e identificar frases onde será necessário o emprego de maiores ou menores tomadas de ar.

Quando estava aprendendo a respirar durante a locução, aprendi uma técnica que me ajudou consideravelmente. Está técnica se baseia em marcar o texto que será lido com barras simples ou duplas. As barras simples, marcam as menores tomadas de ar. As barras duplas marcam as maiores tomadas de ar.

Como exemplo tomaremos este texto publicitário da Golden Cross.

A VITÓRIA DE UM LÍDER, É UMA CONQUISTA DIÁRIA, //
FEITA DE PEQUENOS GESTOS E ATITUDES. // A GOLDEN CROSS REAFIRMA ESTA VERDADE A CADA DIA // SE EMPENHANDO AO MÁXIMO / PARA QUE VOCÊ POSSA USUFRUIR DE NOSSA LIDERANÇA / COM TODA A TRANQUILIDADE QUE A SUA VIDA MERECE.//
GOLDEN CROSS PRIMEIRO LUGAR EM SAÚDE.

ARTICULANDO

Explorar da melhor maneira possível suas áreas de ressonância, é um dos segredos para manter a beleza da voz. Quando queremos falar em um tom mais grave ou aveludado, utilizamos a região do torax onde ressoam os tons graves e médios. Os timbres mais altos, ressoam na região da face, onde os tons agudos se amplificam, dando uma aparência mais jovial a fala.

Articular bem as vogais, abrir a boca de forma correta, também é algo vital para uma boa impostação da voz. Uma vez que é nas articulações da boca,(lábios, língua, musculatura da face, dentes), que o som adquiri caractesísticas especiais, seja vogal ou consoante.

A - É - Ó - Sons claros e abertos. Para emissão perfeita destas vogais, temos que ovalar a boca. Com esta posição o som recua para o fundo da garganta e vibra no palato mole, entrando para a ressonância alta, e projetando-se timbrado.

Ô - Ê - I - U - Sons escuros e fechados. O movimento labial faz com que eles se projetem para frente. Nos sons agudos o maxilar cai deixando a boca ovalada.

Ê - I - Estas duas vogais merecem atenção pois são horizontais, e para se projetarem usamos o sorriso, que os mantém vibrando no mordente até o centro da voz. Para atingir notas agudas, o sorriso permanece, porém a boca vai se ovalando em busca de um som arredondado e bem timbrado.

ENCONTROS CONSONANTAIS.

Tão importantes quanto as vogais são as consoantes. Se as vogais são responsáveis por uma fala com ótima qualidade de timbre, as consoantes tornam a leitura ou a locução mais inteligíveis. Articular bem as consoantes, é imprescindível para uma boa comunicação. Para exercitar as consoantes, deve-se fazer a leitura em voz alta, exagerando ou hiperarticulando todas as sílabas.Não se preocupe com o ritmo ou velocidade de sua leitura, faça o exercício de forma bem consciente e com calma.

FRASES PARA PRATICAR COM ENCONTROS CONSONANTAIS, DE DIFÍCIL LEITURA, ACONSELHO QUE SE FAÇA A LEITURA DESTAS FRASES, MORDENDO UM LÁPIS.

1. O prestidigitador prestativo e prestatário está prestes a prestar a prestidigitação prodigiosa e prestigiosa.

2. A prataria da padaria está na pradaria prateando prados prateados.

3. Branca branqueia as cabras brabas nas barbas das bruacas e bruxas branquejantes.

4. Trovas e trovões trovejam trocando quadros trocados entre os trovadores esquadrinhados nos quatro cantos.

5. As pedras pretas da pedreira de Pedro pedreiras são os pedregulhos com que Pedro apedrejou três pretas prenhas.

6. O grude da gruta gruda a grua da gringa que grita e , gritando , grimpa a grade da grota grandiosa.

7. No quarto do crato eu cato quatro cravos cravados no crânio da caveira do craveiro.

8. O lavrador é livre na palavra e na lavra , mas não pode ler o livro que o livreiro quer vender.

9. Fraga deflagra um drible , franco franqueia o campo , o povo se inflama e enfrenta o preclaro juri , que declara grave o problema.

10. Quero que o clero preclaro aclare o caso de clara e declare que tecla se engana no que clama e reclama.

11. A flâmula flexível no florete do flibusteiro flutuava fluorescente na floresta de flandres.

12. Na réplica a plebe pleiteia planos de pluralidade plausíveis na plataforma do diploma plenipotenciário.

13. No tablado oblongo os emblemas das blusas das oblatas estavam obliterados pela neblina oblíqua.

14. A hidra, a dríade e o dragão ladrões do dromedário do druida foram apedrejados.

15. O lavrador lavrense estudou as livrilhas e as lavrascas no livro do livreiro de lavras.

16. O pingüim banhou-se na água do aquário.

17 . O gato cruel cravou as garras no cangote do camundongo que comia crosta de cará na cumbuca quebrada. O cão que cochilava acordou com o conflito e correu com o gato.

18. Esse quadro representa a esquadra da Guanabara.

Fontes:
http://www.jornaldeteatro.com.br/materias/reportagem/200-a-arte-de-soltar-a-voz-nos-palcos-da-vida?start=1
http://artedefalar.tripod.com/id2.html

O Corpo é o Instrumento de Trabalho do Ator


Há certos pressupostos que impedem o ator de criar novos dispositivos e reconfigurar seu modo de trabalhar no teatro. A perspectiva filosófica, enquanto funcionamento do pensamento e procedimento estratégico, pode ajudar a romper paradigmas que parecem inquestionáveis por tocarem no que existe de mais sagrado para o ator: seu Eu humano.

O título propõe uma questão a ser discutida, e que vem sendo discutida nos dias de hoje, tornando a relação entre o ator e seu corpo mais complexa. O século XX (no ocidente) foi o século em que se instaurou a necessidade de uma sistematização do treinamento para o ator, o qual não poderia mais ficar entregue a uma suposta inspiração mística. Neste contexto, grandes mestres do teatro começaram a perceber que se deveria focar no principal instrumento de trabalho do ator: o corpo. Isto foi uma expressiva quebra de paradigma na qual se baseou grande parte dos métodos para o ator do século XX. Porém, uma nova quebra de paradigma se impõe nos dias de hoje, mas esta não chega a constituir ainda uma nova corrente. Trata-se de uma difícil questão que a princípio pode parecer um mero jogo de palavras.


Ao ser chamado para dar uma palestra na UNIRIO sobre o treinamento do ator, Renato Ferracini começou por perguntar ao público presente se fazia sentido dizer que o corpo é o principal instrumento de trabalho do ator. O público, formado em sua maioria por estudantes de teatro, respondeu prontamente que sim. E eis que, para surpresa geral, Renato diz pensar que não, o corpo não é um instrumento de trabalho do ator, pois o corpo é o ator. Renato não é o autor deste pensamento, na verdade trata-se de uma questão que na filosofia vem sendo discutida a mais de um século, e que pode se instaurar como uma nova crise e uma quebra de paradigma no treinamento do ator.

É uma questão impactante, sem dúvida, e é muito tentador concordar com ela por parecer um pensamento de vanguarda. Mas com o passar do tempo, e depois de muito discuti-la com outros atores, comecei a desconfiar que ela poderia não surtir nenhum efeito e não gerar nenhum acontecimento revolucionário dentro do teatro. Na maioria das vezes reverberava como um jogo de palavras poético e inspirador, mas que não reconfiguraria ou geraria novos dispositivos no ator em seu treinamento.

Num outro contexto, preocupado muito mais em salvar a vida e a existência para si de seu corpo do que em formular hipóteses esclarecedoras para o teatro ou para a filosofia, Antonin Artaud escreve numa carta para um amigo uma frase muito impactante, mas que também pode, à primeira vista, parecer não passar de um mero jogo de palavras, e com isso não ser capaz de gerar novos dispositivos em qualquer atividade humana:
“Eu sou meu corpo, mas meu corpo não sou eu” (ARTAUD, 2006).

Como ultrapassar a primeira impressão de encantamento poético que esta frase, assim como muitas outras de Artaud, provoca no espírito artístico? Por outro lado, como escapar do entendimento de que a segunda parte, no final das contas, quer dizer exatamente a mesma coisa que a primeira? A razão para este entendimento acabou se revelando em mim como a mesma que fazia com que a questão colocada por Renato Ferracini acabasse por não gerar mais do que um impacto vazio: a incapacidade de desvincular o corpo de qualquer identidade configurada como um Eu fixo, um Eu que vive através, em ou com este corpo. Comecei a perceber que as grandes revoluções teatrais do século XX, no que tange a uma nova relação entre o ator e seu corpo – e é preciso procurar com muita dedicação para encontrar uma exceção – buscavam aproximar esse Eu abstrato, essa entidade espiritual, da concretude do corpo, rompendo com a separação entre corpo e espírito, entre Eu e meu instrumento de trabalho.

Qual seria então a mudança que esta questão – o corpo não é um instrumento de trabalho do ator, o corpo é o ator – instauraria na relação entre o ator e seu corpo? Faz todo sentido pensar que o ator, como sujeito, não veria seu corpo mais como um objeto distante de si mesmo, mas como parte de si, podendo enfim afirmar: meu corpo sou eu. Mas isto parece ser exatamente o contrário do que Artaud afirmava para si: Eu sou meu corpo, mas meu corpo não sou eu. A meu ver, com esta lógica Artaud não aproxima o corpo de si mesmo. O que parece fazer é mostrar que a identidade-Eu é uma parte das produções do corpo, uma criação sua, mas que o corpo não se confunde com ela, e que misturar indissociavelmente corpo e Eu é reduzir o corpo a uma parcela ínfima de seus fenômenos produzidos. Artaud, assim, encontra-se em grande confluência com o pensamento de Nietzsche:
“’Eu’ – dizes; e ufanas-te desta palavra. Mas ainda maior – no que não queres acreditar – é o teu corpo e a sua grande razão: esta não diz eu, mas faz o eu” (NIETZSCHE: 51). É como se houvesse um estágio espiritual em que o homem valoriza a alma em detrimento do corpo; um estágio humanista em que o homem, ainda compreendido como alma, pretende se reaproximar do corpo, devolvendo o valor que este merece; e um estágio outro, em que o homem, cansado desta tal fábula da alma, quer se redescobrir enquanto um corpo livre, um corpo ateu, um corpo criador, um corpo.

Mas como este entendimento (que parece antes de tudo filosófico) pode gerar novos dispositivos para o ator no teatro? Antes de tudo, penso que ninguém melhor do que o ator para se perceber como um corpo sem que este serepresente um Eu que percebe o corpo. Ou mesmo que este se necessariamente represente um Eu, e que a percepção só seja considerada possível pela constituição deste Eu, o ator pode experimentar sensações que escapam à percepção de seu Eu, e que se produzem independente dela.

Mas me parece que a história da construção dos métodos para ator, desde a passagem do século XIX para o século XX até os dias de hoje, circunscreveu o ator num conjunto de pressupostos onde a questão supracitada não encontra as condições necessárias para germinar e contaminar seu trabalho. Ela evapora assim que toca a superfície deste solo infértil. Para fazer o teste de fertilidade, irei à base desta história, tentarei compreender como o sistema de Stanislavski influencia a relação do ator com seu corpo, e como aí parece já se consolidar a raiz da incompatibilidade entre os métodos teatrais de formação do ator e esta questão que se coloca como uma nova tentação que não encontra pontos de contato para se disseminar. É claro que seria preciso analisar todos os métodos existentes para se poder afirmar tal incompatibilidade, mas acredito – e isso não poderá ser desenvolvido aqui – que o problema se encontra na própria estrutura de método que transforma toda experimentação em experiência a ser passada a diante, que funciona como um veículo que abarque o ser humano de maneira geral, fazendo com que as singularidades se diluam ou se adaptem à universalidade de um modelo.

Assim, se o ator pode ser uma potência a experimentar questões filosóficas num espaço mais completo do que a folha em branco, penso também que a perspectiva filosófica – não enquanto visão de mundo, mas enquanto funcionamento do pensamento – pode desemaranhar o ator de uma certa teia de pressupostos para a qual ele não possui olhos para ver como aquilo foi parar ali ou mesmo para detectar sua presença que conduz todo percurso.


Por que o ator precisa ter fé?

É muito comum desvalorizarmos Stanislavski por ele dar mais importância aos processos psicológicos do ator do que ao seu corpo em ação. De fato, numa primeira fase (1898-1918), quando trabalhava no Teatro de Arte de Moscou, ele propunha que o ator se empenhasse em trabalhar o que ele chamava de Forças Motivas Interiores (BONFITTO, 2007). Sem tal estímulo, segundo Stanislavski, o ator não poderia começar a trabalhar em cena, pois seus sentimentos não estariam motivados, e ele acabaria atuando por atuar, sem objetivos claros e precisos, e sem estar verdadeiramente envolvido com a vida do personagem (STANISLAVSKI, 1999). Mas o próprio Stanislavski chegou a um impasse. Percebeu que, por um lado, não se pode fixar os sentimentos, que era preciso ter uma base mais sólida na qual basear o trabalho do ator, que não seria possível reviver a cada apresentação aqueles sentimentos simplesmente a partir da Linha das Forças Motivas com seus elementos estimulantes mentalmente. Por outro lado, se o ator só pode agir quando seus sentimentos estiverem motivados, não haverá espetáculo se isso não acontecer?

É então que o Método das Ações Físicas surge como uma saída para este impasse (BONFITTO, 2007). É se focando na realização de suas ações que poderá se desencadear processos interiores no ator. A Ação Física age portanto como catalisadora das Forças Motivas Interiores. E, por outro lado, ao agir, o ator sentirá a necessidade de justificar para si esta ação, não poderá simplesmente agir por agir, é preciso haver um sentido que preencha e justifique esta ação. E são exatamente os elementos da Linha das Forças Motivas que irão preencher e justificar estas ações. Há portanto uma via de mão dupla entre o corpo e os processos interiores do ator, que na verdade aproxima o corpo de processos interiores a um Eu. Não há mais que separá-los.

Pois bem, não há como discordar que Stanislavski pensa o corpo do ator como fundamental a seu trabalho, que não adianta se focar apenas em processos psicológicos pois o teatro é ação. É possível perceber também a atualidade e pertinência deste problema de, como ator, ter que justificar minhas ações, que é muito difícil “sentir tesão” em realizar ações que não me preenchem ou não fazem qualquer sentido para mim. Posso até me sentir estimulado a agir segundo a proposta de um encenador genial, mas depois de um tempo sentirei a necessidade de justificar estas ações para mim e por mim mesmo. Mas é preciso estar atento às palavras. Faz sentido e é pertinente a questão da necessidade de justificar as ações para si, mas esta é a forma que eu colocaria para mim este problema pertinente? Por uma lógica que aceitamos com uma certa facilidade, esta necessidade de justificar minhas ações em cena passa a ser colocada como uma necessidade de acreditar na verdade daquilo que realizo: a famosa fé cênica (STANISLAVSKI, 1999). Não se trata de uma verdade abstrata que acabaria por me afastar da ação concreta que realizo. Também não se trata da verdade daquilo que existe realmente, como na vida real. Em cena, a verdade
“consiste em algo que não tem existência de fato, mas poderia acontecer.” (STANISLAVSKI, 1999: 168). Aristóteles, em sua Poética, propunha o mesmo raciocínio para o que acontecia no enredo das Tragédias Gregas.

E como o ator poderá acreditar naquilo que não aconteceu com ele, e nem está acontecendo, de fato, neste momento? Um dos principais elementos do método constitui-se de duas letrinhas mágicas: se – como eu agiria se isto acontecesse comigo na vida real. Ao me colocar na situação do personagem, aproximo-me de sua lógica, e posso então criar associações com experiências já vividas por mim outrora. Transito assim entre uma realidade ficcional e uma realidade passada (mas ainda viva em minha memória). O acontecimento cênico presente é, portanto, justificado por um jogo de realidades ausentes. As ações de meu corpo são preenchidas por experiências de outrem, seja pelas circunstâncias dadas do personagem, seja pelas experiências vividas por um Eu de outrora. Acontecerá com o corpo exatamente aquilo que se processar nestas instâncias que agem sobre ele como uma entidade ausente que produz toda e qualquer presença. O que chamamos de presença do ator, neste caso, é fruto do trabalho de elementos ausentes. Neste caso, portanto, realmente é preciso ter fé, fé na Presença da Ausência. Para quem tem facilidade de acreditar em Deus e sua força onipresente, este trabalho não será muito difícil, mas como proceder se ainda tenho esperança num fazer teatral laico?

Devo me esforçar para não raciocinar com precipitação. Não digo que Stanislavski coloca o texto, ou melhor, o papel a ser interpretado e incorporado pelo ator, como uma onipresença que irá gerar a presença do ator. Parece se tratar mesmo do contrário. Ele sabe que o personagem é um pedaço de papel inerte e sem vida, e que é o ator quem irá instilar sua vida humana ali gerando a presença do personagem. É o ator o responsável pela presentificação do personagem, e não o contrário. Este irá apenas direcionar a vida do ator para uma composição particular, pois o ator não irá representar ele mesmo.

O que quero dizer, na verdade, é que isto que se chama “vida humana do ator” é que age como uma ausência presente sobre o corpo. Em consonância com Artaud, Nietzsche e Ferracini, afirmo que o Eu ou esta vida humana foi acrescentada ao corpo e considerada como sua verdadeira natureza. Assim como se considera o personagem um papel inerte sobre o qual o Eu do ator instila vida, considera-se o corpo do homem também como algo morto e inerte no qual Deus instilou vida humana. Ao passar a valorizar o papel do corpo no teatro, não se deixou de ter a alma como o valor supremo. O corpo é aparência, a alma é o ser que o preenche. Meu Deus! Trata-se de Platão ou Stanislavski? Há diferenças, claro. Para Stanislavski, a aparência (o corpo) é um instrumento necessário. A Verdade e o Ser não estão mais num mundo das Idéias, mas numa Natureza orgânica. Este é o novo Modelo. E para alcançá-lo,
Stanislavski (p. 199) nos deixa um conselho: “Evitem a falsidade, evitem tudo o que for contrário à natureza, à lógica e ao bom senso.”

O problema do falso, para Stanislavski, é não podermos acreditar nele. E o valor da verdade não está nela mesma. Stanislavski rejeita a verdade pela verdade, como um fim. Para ele a verdade é um meio necessário ou um critério (Senso de Verdade) para que possamos acreditar no que vemos ou vivemos em cena, e assim nos envolvermos com sinceridade. Isto serve tanto para o ator, naquilo que ele faz ou vive em cena, quanto para o espectador naquilo que ele vê em cena. O importante é que o ator possa justificar sua ação para si mesmo. O que se busca é a tal sinceridade. É por isso que o sistema de Stanislavski continua se revelando de uma pertinência inquestionável, pois ele lida com problemas muito concretos do trabalho do ator, e que continuam se mostrando sem solução. Mas é preciso estar atento ao invólucro religioso, não-laico, e mesmo um tanto quanto catequizador que se encontra emaranhado como parte constituinte do problema.

De onde surgiu esta necessidade de acreditar nas coisas? Será o fato de se trabalhar com coisas que não são produzidas em ato, de não oferecer ao espectador acontecimentos, mas fantasmas, emoções geradas no “Reino da Imaginação”? Esta necessidade não surge de uma lacuna que existe entre o Modelo e a Cópia? A interpretaçãostanislavskiana me parece ser uma tentativa de se aproximar o máximo possível do Modelo: a Natureza. Por isso é preciso fé, fé na legitimidade da cópia enquanto pretendente a ser escolhido e aprovado pelo Modelo e seus critérios (com o detalhe de que estes são interiorizados enquanto Senso de Verdade, esta é a dica do próprio Stanislavski) (STANISLAVSKI, 1999).


Outras propostas fora do pensamento religioso do teatro

Se não há Modelo, não é preciso fé, pois não haverá Juízo de Deus. A potência do Simulacro ou do falso não precisa de fé, mas de poder de engendramento ou de produção. É o Juízo que obriga o ator a ser convincente. E eis que o ator afunda cada vez mais num círculo vicioso (ou virtuoso, já que é o Juízo que nos inclina para a virtude): é preciso fé para embarcar neste mundo psicológico, e para desenvolver esta “fé orgânica” é preciso criar raízes cada vez mais profundas no interior deste mundo psicológico. Por isso tudo deve ser pessoal, pois é o único vínculo que ainda resta, já que não se pode mais desencadear devires ou produzir acontecimentos puros. Não trabalhando mais com as produções do corpo, é preciso então não se perder das raízes da delicada alma. O que acontece é que as ações físicas perdem sua autonomia, tornando-se dependentes da alma e sua fé. Se Eu não acredito nas produções do corpo, restam duas soluções:

  • Tornar estas produções convincentes para o Eu.
  • Eliminar o Eu e seu critério de convencimento e exigência de credibilidade. Assim não haverá ninguém para convencer, devolvendo a autonomia às produções do corpo.

A segunda me parece ser mais interessante, mas por algum motivo Stanislavski insiste na primeira. Por que será? Minha hipótese se baseia na proposição de que ele ainda é assombrado por pressupostos metafísicos, pois, apesar deles, ele detecta fenômenos e propõe procedimentos que poderiam ser eficientes para alcançar a solução que me interessa.

Se dissermos a um ator que seu papel está cheio de ação psicológica, profundidades trágicas, começará logo a se contorcer e exagerar sua paixão, fazê-la em pedaços, escavar a alma e violentar seus próprios sentimentos. Mas se lhe dermos algum simples problema físico para resolver e envolvermos esse problema em condições interessantes, comovedoras, ele tratará de executá-lo, sem se alarmar ou sequer preocupar-se muito em saber se o que faz resultará em psicologia, tragédia ou drama (STANISLAVSKI, 1999: 188).

Mas por que este “simples problema físico para resolver” deve funcionar como um instrumento, um catalisador, uma isca para aquilo que é considerado o santo graal do ator: a sinceridade de sua alma, sua verdadeira natureza, e esta nunca é o corpo, mas é sempre através dele que se poderá encontrá-la? Stanislavski percebe que não se pode abordar diretamente os sentimentos pois isso seria violentá-los, e então ele elabora uma técnica psicofísica. Percebe ainda que sem as ações físicas não é possível fixar os sentimentos. Mas como afirmar que as ações físicas possuem autonomia em seu sistema, se elas servem como uma finalidade de expressar sentimentos, e precisam sempre estar envolvidas “em condições interessantes, comovedoras”? O corpo e a técnica parecem surgir como um mal necessário que deve interferir o mínimo possível na verdadeira criadora: a Natureza, que age sempre como um modelo a ser perseguido, e que serve assim como parâmetro para aquilo que é ou não verdadeiro, é ou não uma expressão sincera dos sentimentos.

Para que o corpo assuma uma autonomia a partir da qual não seria mais preciso ter fé ou acreditar em suas produções, é preciso desvincular-se, por um lado, do modelo da natureza que serve como parâmetro para a verdade, e de outro, do Eu que necessita de uma justificação para aquilo que não surge dele, que surge do corpo do qual ele faz parte. O problema é que meu Eu precisa criar associações de causa e efeito para que esta ação pareça proveniente de uma intenção sua. E é isso que parece ser eficiente em preencher e justificar a ação: a intenção de um Eu, verdadeiro e sincero em sua expressão. É o Eu quem usará seu senso de Verdade para legitimar e verificar se a ação está ou não conectada ao Modelo da Natureza.

E que outro modo existiria para lidarmos com nossas ações físicas em cena? O importante é pensar que devem existir múltiplas, mas quero investigar aqui um modo que me interessa e que poderíamos chamar da construção de um corpo sem órgãos. Deleuze e Guattari citam e refletem sobre um procedimento do artista plástico Vladimir Slepian:


[...] Slepian tem a idéia de utilizar sapatos, o artifício dos sapatos. Se minhas mãos estão calçadas, seus elementos entrarão numa nova relação donde decorrem o afecto ou o devir procurados. Mas como eu poderia amarrar o sapato em minha segunda mão, já estando a primeira tomada? Com minha boca que, por sua vez, encontra-se investida no agenciamento e que torna-se cara de cachorro à medida que a cara de cachorro serve agora para amarrar o sapato. A cada etapa do problema, é preciso não comparar órgãos, mas colocar elementos ou materiais numa relação que arranca o órgão à sua especificidade para fazê-lo devir “com” o outro (DELEUZE e GUATTARI, 1997: 44).

Ao executar este simples problema físico (amarrar os sapatos nas mãos) não se desencadeia em Vladimir Slepianassociações com experiências de outrora ou sentimentos pessoais e sinceros. Muito pelo contrário, desencadeia-se devires para os quais estas associações e sentimentos, exatamente na medida em que são pessoais, agiriam como âncoras que interromperiam o processo. O que se dá é uma reconfiguração do funcionamento de seu corpo, seus órgãos passam a exercer funções para as quais não estariam destinados, e então o devir surge como uma linha de fuga do organismo e de sua subjetividade fixa. Neste processo pode-se chegar a experimentar um corpo sem órgãos.

Enquanto Stanislavski propõe ao ator:
“Nunca se perca no palco. Atue sempre em sua própria pessoa, como artista. Nunca se pode fugir de si mesmo... Assim, por mais que atue, por mais papéis que interprete, nunca conceda a si mesmo uma exceção à regra de usar sempre os próprios sentimentos” (STANISLAVSKI, 1999: 216); Deleuze e Guattari propõem: “vamos mais longe, não encontramos ainda nosso corpo sem órgãos, não desfizemos ainda suficientemente nosso eu. Substituir a anamnese pelo esquecimento, a interpretação pela experimentação” (DELEUZE e GUATTARI, 1996: 11). Se quisermos falar em termos de ações físicas no processo de construção de um corpo sem órgãos não podemos considerá-las como catalisadoras de processos interiores a um Eu, mas antes como desfazedoras de qualquer liame entre um corpo e um Eu, com seu organismo hierarquizado por um cérebro. O Eu traz de volta toda experimentação do corpo sem órgãos para a apreensibilidade das experiências pessoais. Talvez deveria dizer que as ações-experimentações do corpo sem órgãos não são “ações físicas” a serem preenchidas e justificadas por forças motivas interiores. Sim, há um processo depreenchimento do corpo sem órgãos, mas este não funciona como justificação para suas experimentações. Estas não são ocas como um continente a ser preenchido por um conteúdo. O preenchimento não é uma finalidade, mas um acontecimento produtor do próprio tipo de corpo sem órgãos.

Talvez não faça sentido dizer que um corpo sem órgãos é um corpo em ação, pois sua ação é sempre a de fabricarum corpo (sempre no artigo indefinido, alertam Deleuze e Guattari) (1996). Portanto, não há um corpo que faz alguma coisa simplesmente, mas um tal que, ao fazer, se faz. Fazer é sempre se fazer. Então se eu disser que o corpo é a matriz geradora da ação física, devo dizer juntamente que a ação (experimentação) é a matriz geradora do corpo.

Temos assim um procedimento, que é a fabricação do CsO, e os elementos da ação, que é tudo aquilo que passapelo corpo sem órgãos preenchendo-o, sendo que os procedimentos já implicam que algo será produzido, sem podermos saber o quê. Não há como desvincular uma coisa da outra. Mas a questão não é de saber se aquilo que percorre o corpo sem órgãos irá justificar ou não suas ações, mas simplesmente de saber se algo passa ou não. Com isso surge ao invés da necessidade de justificar a ação, a necessidade de elaborar estratégias que desfaçam aquilo que impede a circulação. O que circula? Intensidades que não assumem o caráter de sentimentos ou experiências apreensíveis. O que bloqueia a passagem? Entre outras coisas, o Eu e seu esforço em tornar tudo pessoal, íntimo e sincero (ou seja, crível porque verdadeiro).

Então o corpo sem órgãos é um lugar ou um suporte onde acontecem tais intensidades? Não, é ele próprio quem acontece ao ser atravessado por elas. Para a experimentação do corpo sem órgãos não importa que algo aconteça ou se manifeste através dele, só importa a experimentação que irá construí-lo e a construção que permitirá experimentá-lo. Nada de experiências vividas antes da produção-ação. Estas não são nem as matrizes geradoras e nem aquilo que passa pelo corpo sem órgãos. Se insistirmos muito nelas, acabarão por agir como aquilo que bloqueia a circulação e o desencadeamento de devires.

Ao invés de pensar o corpo como uma casa ou um templo, parece-me mais interessante pensá-lo como uma porta ou um corredor. Não que ele possua portas que ao se abrirem, algo passará preenchendo-o. Ele mesmo é a porta pela qual as intensidades passam, e que só sente preenchido quando estas atravessam seu limiar, e não quando elas ficam ali.

Mas se não importa as experiências vividas outrora, a memória deve ser abandonada? Não, mas ela funcionará exatamente pelo recurso do esquecimento, como virtuais que atravessam o corpo sem precisarem se identificar como esta ou aquela experiência desta ou daquela fase da vida. É como a memória involuntária de Proust (DELEUZE, 1964). Ela não acontece se nos esforçarmos pela anamnese. Nada a ver com conteúdos guardados num sótão e que devem ser acessados, despertados e rememorados. A memória não é necessariamente a repetição do mesmo, pois a própria repetição já é outro modo de acontecer, de viver a coisa, e assim a própria coisa já se torna outra. É quando tento interpretar que acabo por reconhecer e identificar como sendo “aquele” acontecimento que retorna. E isto, ao invés de desencadear devires em meu corpo, irá sempre convencê-lo de que não importa os trajetos e vôos que ele tente alçar, estes nunca deixarão de ser apreendidos e identificados como experiências pessoais de um si sempre o mesmo.

Tentei portanto discutir a necessidade e as possibilidades que se abrem ao desvincular o corpo de um suposto Eu que se expressa através dele. Sobre a questão “O corpo não é um instrumento de trabalho do ator, o corpo é o ator”colocada por Ferracini, tentei mostrar a diferença radical entre encará-la como uma necessidade de se aproximar corpo e espírito, meu corpo de mim mesmo, sujeito e objeto, e encará-la como uma necessidade de afastar de vez o corpo da tutela do Eu, pois o corpo é muito maior do que este ínfimo Eu que foi inventado pelo próprio corpo, por mais que se tente convencê-lo do contrário.


Fonte: http://www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/view/1366/1138

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Teatro no Brasil: Macumba Antropófaga


Idealizado pelo Teatro Oficina Uzyna Uzona, o espetáculo “Macumba Antropófaga” está em cartaz na cena paulistana todo reformulado. A peça conta com músicas inéditas e formas de atuação ainda mais potencializadas pelo espaço cênico do circo. Por conta de obras na sede da companhia, a peça ocupa temporariamente uma tenda do Circo Zanni, com capacidade para 350 pessoas. Ali, o teatro e o universo circense incorporam-se mutuamente. A “TragiComediOrgya”, como define o diretor José Celso Martinez Corrêa, foi toda reescrita. Houve a inserção de momentos de crise e mudanças radicais no mundo e, principalmente, foram incorporados ao texto três grandes perdas da Uzona Uzyna nos primeiros meses do ano: as mortes da diretora de vídeo Elaine Cesar, do capoeirista Pedro Epifânio, um dos fundadores do Movimento Bixigão (projeto de oficinas para jovens do Bixiga) e do geógrafo Aziz Ab Saber, que tombou o Teatro Oficina. “Estas tragédias trouxeram para a Macumba a energia desses amigos como ‘alimento vivo’ e lembrança eterna”, afirma Zé Celso.
Nada convencional, o espetáculo passeia pelas ruas de São Paulo e a plateia participa ativamente da montagem. O público segue por uma caminhada, onde evoca Cacilda Becker (que recebe em seu corpo Tarsila do Amaral, em frente ao TBC) e Oswald de Andrade, acordado no edifício onde escreveu seu Livro Testamento “Um Homem Sem Profissão Sob as Ordens de Mamãe”. Em seguida, Tarsila, Oswald e o Coro de Tupys criam juntos o instante inaugural da paixão, com a experiência da grande noite de amor que inspirou a criação do livro-comida “Manifesto Antropófago” e o quadro “Abaporú – o Homem que Come o Homem”, a partir da imagem de Oswald nu: “Nesse momento, os atores comem carne de rã para simbolizar o corpo humano. Na antropofagia, não se come somente seus inimigos mais corajosos, mas também seus entes mais amados”. 

 

Macunaíma, vivido por Roderick Himeros, e o Coro de Tupinambás, formado por mais de 40 artistas, fazem baixar Mandú Sarará (Mariano Mattos Martins), Murubixaba (Wilson Feitosa), a Mãe dos Gracos (Vera Barreto Leite) e a Arte Educadora (Naomy Schölling), entre muitos outros. Pagú baixa na atriz Camila Mota, que vive também a Iracema dos lábios de mel e leva com seus beijos Anchieta para o Céu, onde o público encontra-se com as 11 mil virgens reinantes no livro “Manifesto Antropófago”, feito de carne animal e vegetal, servido a todos no final do espetáculo: “Nessa cena dos índios, a plateia é convidada a tirar a roupa junto com os atores. Muita gente volta pra rever o espetáculo porque gosta da liberdade de dançarem nuas”.

Com pouco texto, e muitas músicas o espetáculo tem muitas cenas marcantes, como destaca Zé Celso: “A que o Demônio sobe ao Paraíso por não aceitar mais Deus como pai, mas como amante, e é expulso de lá é uma cena muito bonita”.